giovedì 29 marzo 2007

O vazio acolhe-me



Esta dormência que se instalou lado a lado com os lugares vazios que percorro começa a esgotar toda e qualquer possibilidade de existir uma vontade, ainda que remota, de me erguer.
Hoje acordei em mim sem ter conseguido adormecer os dias passados . Virei-me sobre a palma direita, aquela que insistias em encostar à tua face quando choraste e essa lembrança mantem-me aqui, a pensar que tenho que fugir de mim, mas sem conseguir saír de ti.

Sinto-me tal qual prisioneiro que risca os dias nas paredes sujas do cárcere mas, ironicamente, sou eu que possuo as chaves que abrem todas as portas, inclusivé a tua. Mas cruzo os braços e deixo que o pó da inutilização se vá acamando sobre a falta de força, a vontade que extinguiste, a esperança que abandonei.

Acabo sempre por me render ao abandono de algo, nem que seja de mim, porque já há muito tempo que caminho num mundo que se move paralelamente a este em que todos os outros percorrem estradas a céu aberto. Eu dou passos num só trilho. Um trilho que descobri no dia em que morri e que escolhi para mim esta tristeza abismal sem a qual, começo a acreditar, não saber viver.

Os sorrisos não me ficam bem e o calor da côr foge de mim, o que me apraz já que pinto a minha vida a negro, nesta capa de simplicidade.

Há neste constante viver a morrer uma suave dependência.

lunedì 19 marzo 2007

O que resta...

Quand le ciel bas et lourd pèse comme un couvercle
Sur l'esprit gémissant en proie aux longs ennuis,
Et que de l'horizon embrassant tout le cercle
Il nous verse un jour noir plus triste que les nuits;
Quand la terre est changée en un cachot humide,
Où l'Espérance, comme une chauve-souris,
S'en va battant les murs de sn aile timide
Et se cognant la tête à des plafonds pourris;
Quand la pluie étalant ses imenses traînées
D'une vaste prison imite les barreaux,
Et qu'un peuple muet d'infâmes araignées
Vient tendre ses filets au fond de nos cerveaux,
Des cloches tout à coup sautent avec furie
Et lancent vers le ciel un affreux hurlement,
Ainsi que des esprits errants et sans patrie
Qui se mettent à geindre opiniâtrement.
- Et de longs corbillards, sans tambours ni musique,
Défilent lentement dans mon âme; l'Espoir,
Vaincu, pleure, et l'Angoisse atroce, despotique,
Sur mon crâne incliné plante son drapeau noir.



Charles Baudelaire, "Spleen" (in As Flores do Mal)

lunedì 12 marzo 2007

Há algo em ti que me consome...
Não sei se é esta estranha dependência do teu cheiro, se o hábito à tua falta. Vacilo entre desejos e sou tão somente isso, um inconstante destroço da tua passagem por mim, o aperto do coração ao brotar das tuas lágrimas, esta saudade que não existe em mais nenhuma língua e não se escreve na minha.
E se pudesse, arrancaria todas as minhas entranhas para tas ofertar. Uma por uma, cada gota a marcar o chão aquando da entrega. Ajoelhar-me-ia perante ti erguendo bem alto o meu coração numa bandeja prateada, afinal é o único orgão que possui sentimentos.
O meu eu ensanguentado é a maior prenda que te posso dar.
É a única verdadeira.
De mim para ti...

mercoledì 7 marzo 2007

Penitência

Pode ver-se, atrás de cada janela, o semblante de uma só criança. Muito quieta, sentada numa cadeira de madeira já bamboleante da longevidade. As costas demasiado rectas, as palmas, frias, repousantes em cada perna hirta, o olhar estático para além do vidro. Dir-se-ia que está absorta de todo e qualquer ruído, de todo o ar que rodopia em seu redor e até a respiração é ténue, cada inspirar marca o compasso do silêncio.
Já está ali há dois dias e duas noites, este é o terceiro e não será o último. Sentou-se em frente há janela desde que o rio a chamou e ficou a alimentar-se das palavras que chegam a cada minuto enquanto as águas continuam a subir.
E serenamente sobem, como que na tentativa de resgatar o que um dia lhes pertenceu.
(Janeiro, 1977)



Já há muito que caminho paralelamente ao rio, sem nele banhar os pés desfigurados. Sabes, não sei como, mas habituei-me a fazer das chamas trilho, como se a dor fosse a única coisa real, já que aquando do momento em que me chamaste do rio, um silêncio enorme tomou conta de mim. Sentei-me e fiquei tal qual estátua acreditando que me virias buscar. Não pestanejei uma única vez, com receio de que isso pudesse atrasar a tua chegada. Na falta das palavras prostrei-me ao uivar do vento que batia naquela janela, ao teu cheiro que conseguia passar pelas frestas da madeira, as tuas mãos à minha volta acariciando-me a face invisivelmente. Fui ficando, cobrindo-me de pó enquanto não chegavas. No meu olhar as águas continuavam a subir para me resgatar.
Uma noite as águas tingiram-se de vermelho, já não subiam. As águas desciam por mim, copiosamente. Olhei à minha volta, continuava em frente à janela em silêncio. O vento havia parado, o teu odor já não se esgueirava pelas frestas da mdeira envelhecida. Abri as narinas perigosamente, como um animal que procura o cheiro da presa que vinha seguindo, aspirei o ar em golfadas que desceram os meus pulmões vertiginosamente. O teu cheiro desapareceu, mas as águas continuavam a descer por mim ensanguentando-me a pele,inundando tudo ao meu redor. E agora sim, sobem, consigo sentir-lhes o sabor quente, espesso, de mim. Chorei um rio de sangue para que te banhasses nele, mas tu nunca quiseste mergulhar em mim.
Afundo-me só, com as mãos unidas acima da cabeça.