mercoledì 7 marzo 2007

Penitência

Pode ver-se, atrás de cada janela, o semblante de uma só criança. Muito quieta, sentada numa cadeira de madeira já bamboleante da longevidade. As costas demasiado rectas, as palmas, frias, repousantes em cada perna hirta, o olhar estático para além do vidro. Dir-se-ia que está absorta de todo e qualquer ruído, de todo o ar que rodopia em seu redor e até a respiração é ténue, cada inspirar marca o compasso do silêncio.
Já está ali há dois dias e duas noites, este é o terceiro e não será o último. Sentou-se em frente há janela desde que o rio a chamou e ficou a alimentar-se das palavras que chegam a cada minuto enquanto as águas continuam a subir.
E serenamente sobem, como que na tentativa de resgatar o que um dia lhes pertenceu.
(Janeiro, 1977)



Já há muito que caminho paralelamente ao rio, sem nele banhar os pés desfigurados. Sabes, não sei como, mas habituei-me a fazer das chamas trilho, como se a dor fosse a única coisa real, já que aquando do momento em que me chamaste do rio, um silêncio enorme tomou conta de mim. Sentei-me e fiquei tal qual estátua acreditando que me virias buscar. Não pestanejei uma única vez, com receio de que isso pudesse atrasar a tua chegada. Na falta das palavras prostrei-me ao uivar do vento que batia naquela janela, ao teu cheiro que conseguia passar pelas frestas da madeira, as tuas mãos à minha volta acariciando-me a face invisivelmente. Fui ficando, cobrindo-me de pó enquanto não chegavas. No meu olhar as águas continuavam a subir para me resgatar.
Uma noite as águas tingiram-se de vermelho, já não subiam. As águas desciam por mim, copiosamente. Olhei à minha volta, continuava em frente à janela em silêncio. O vento havia parado, o teu odor já não se esgueirava pelas frestas da mdeira envelhecida. Abri as narinas perigosamente, como um animal que procura o cheiro da presa que vinha seguindo, aspirei o ar em golfadas que desceram os meus pulmões vertiginosamente. O teu cheiro desapareceu, mas as águas continuavam a descer por mim ensanguentando-me a pele,inundando tudo ao meu redor. E agora sim, sobem, consigo sentir-lhes o sabor quente, espesso, de mim. Chorei um rio de sangue para que te banhasses nele, mas tu nunca quiseste mergulhar em mim.
Afundo-me só, com as mãos unidas acima da cabeça.

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